Um Funcionário Público, Parte 2

terça-feira, março 31

Missão dada é missão cumprida.
Com a sugestão do bundosíssimo Sr. Sálmeron, aceitei a tarefa de escrever a segunda parte de "Um Funcionário Público", que pode ser conferido na íntegra no seguinte link: http://bloganomalo.blogspot.com/2009/03/um-funcionario-publico.html

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O conceito de "ajeitar" é mesmo ajeitável. E a fascinação por ajeitar as coisas me fez tentar medicina durante aquela fase de minha vida que eu não me importava de não viver.
E olhem, depois de tantos anos, até ajeitei um jeito de voltar a ser o jovem adolescente desajeitado e cheio de espinhas que sonhava em ser médico.

Dessa(s) vez(es) eu iria passar.

(...)

Mais uma véspera de vestibular para medicina havia chegado. Senti-me diferente dessa vez. Parecia que eu havia mudado de time. Não estava no banco de reserva, como a maior parte da minha vida, mas agora eu tinha a morte como aliada, diferentemente dos possíveis futuros companheiros de profissão.

Vestibular, vestibular, vestibular. Situação que todos médicos deveriam vencer com facilidade.

Mas confesso, mesmo com tantos fracassos, eu sabia que um dia meu dia chegaria. Sempre encarei o vestibular como a morte, na hora certa, ele chegaria.

Morte, morte, morte. Situação que todos os médicos deveriam estar preparados para enfrentar. Talvez minha frieza e maturidade para lidar com a situação fizessem de mim um grande médico. Talvez um ícone, um guru, um mestre da medicina mundial.
Modéstia a parte, consegui superar com facilidade o falecimento de minha mulher e meus dois filhos. Eu percebia que faltava certa afinidade da medicina com a morte e precisava fazer algo para colocar tudo na ordem natural da vida.

A morte sempre fora tratada como inimiga da medicina, um mal a ser combatido e evitado. A morte certamente é inevitável, mas sempre chega apenas para os que a merecem.
Olhem para mim! Hoje sou feliz, sem mulher e sem dois filhos. Graças à morte.

Como homem, eu precisava lutar pela morte e garantir que meu agradecimento seria completo.

(...)

Final de dezembro.
Mais um resultado do vestibular de medicina era divulgado.

E aquela sensação de diferença parecia ter me enganado. Ou talvez fora outro sinal divino.

120° excedente.

Nada mal, se comparado às últimas tentativas, mas ainda não era o suficiente.

Mas não existe nada nesse Universo que seja obstáculo para a gloriosa morte.
A morte, ou 119 dela, colocaria tudo no seu devido lugar.

(...)

Sete anos depois, chegava a hora de agradecer pelas graças recebidas.

Após passar naquele concurso público com 0,2 candidato por vaga, finalmente eu poderia trabalhar como médico do Sistema Único de Saúde.

Embora tenha voltado a ser um funcionário público, eu sentia que minha honra estava sendo dignificada a cada dia.

O governo e meus companheiros de trabalho já não se importavam tanto em combater a morte. Não sei se cheguei a exercer tanta influência, mas com passar dos anos, percebi que a morte se tornava cada vez mais aceitavél.

Tudo perfeito.
Agora poderia deitar em minha cama todas as noites às 23h15 e adormecer com a consciência de ter o dever cumprido.

2 comentários:

André disse...

Será que passar no vestibular é mesmo tão invevitavel quanto a morte?

Bom, ainda bem que a expectativa de vida de nossa geração é de 100 anos. Daqui a 82 anos eu volto aqui, e digo se já passei.

P.S.: Viva o funcionarismo púbico! (:

papitoO! disse...

VIVAAA!!!!!! xD