O Dia de Diego

quarta-feira, março 11

No alto do segundo andar, lá no fundo do bloco da esquerda ficavam as salas do primeiro ano.
No canto esquerdo de uma das salas, bem junto à parede, ficava Diego, o garoto raquítico e sabe-tudo da classe.
Diego ficava sentado ali durante (quase) a aula inteira. Não que precisasse aprender algo naquela escola, ele simplesmente ficava esperando seu amor passar.

A garota do terceiro ano! Tão loira, tão formosa, tão mal-famosa, tão gostosa.
Mas com tantos adjetivos assim, não poderia ser uma garota. A loira do terceiro ano era uma mulher.(E que mulher!)
Religiosamente, todos os dias, faça matemática ou faça português, a mulher saía de sua classe a cada um horário e meio.
Atento a isso desde a primeira vista ao seu amor, Diego sabia que a temporada de caça estava aberta.
Temporadas de caças fazem parte do Verão, e como se tem sede no Verão! E Diego estranhamente tinha sede a cada um horário e meio. Uma sede estranha, que não poderia ser cessada no bebedouro do segundo andar. Precisava ser aquele lá do primeiro andar, aquele bem antigo, que saía apenas algumas gotas de água quente quando estava de bom humor. Mas era aquele o melhor de todos, porque era o bebedouro ao lado do telefone público.

E como era quente aquele telefone público nas mãos, ouvidos e lábios carnudos da mulher do terceiro ano. E o coitado nunca conseguia tempo para se esfriar, logo logo passaria mais um horário e meio e a mulher voltaria.

"Rodrigo, Bruno, Raul, Michael, Fabiano, Francisco, Alexandre, Sr. Otávio, Irênio, Vandercleysson, Karl, Mohamed, Di... ogo"

Tantos homens, nenhum Diego.

Após 3, 4 ou 5 minutos, a mulher desligava o telefone e sempre partia em direção ao banheiro, onde ficava por mais 2 minutos até fazer questão de soltar um estridente grito que Diego definia como uma manifestação de arte e satisfação.
Após o grito, a mulher saía tranquilamente pela porta da frente como se nada tivesse acontecido, e com uma cara de quem está pronta para o próximo um horário e meio. E Diego rapidamente se escondia -não poderia deixar pistas sobre sua leve queda por ela- e voltava em direção a escadaria que levava às salas de primeiro ano.
"Quando chegará meu dia?" Diego sempre se perguntava. Aliás, Diego tinha muito a se perguntar durante os 3,4 ou 5 minutos que ficava ali a cada um horário e meio.


"Meu Deus! O que essa mulher faz da vida? Será que trabalha para alguma empresa de sexo por telefone? Será que passa trotes? Será que é telefonista de algum tipo de telemarketing sexual? Ninfomaníaca?
Não sei. Só sei que é a mulher perfeita. Terceiro ano, loira, pré-universitária, lábios macios, sorriso provocante, seios simétricos, que MULHER!
Até o fim do ano eu descubro o que ela faz da vida, e aí vai ser só alegria. Até o fim do ano eu pego ela! Oh se pego! O meu dia vai chegar."

E vieram as águas de Março fechando o verão, e no mesmo ritmo passaram-se as águas de abril, maio, junho... novembro, dezembro -pausa para acabar o ano- janeiro, fevereiro...

Talvez Diego tenha perdido todo seu primeiro ano mergulhado nas suas várias idas ao bebedouro e pensamentos mirabolantes, e com isso tenha se esquecido de coisas fundamentais, como perguntar o nome da garota e de que o terceiro ano é o último ano de escola.

Nos primeiros dias de aula do segundo ano, Diego era um desespero só. Ficava ali primeiramente no horário como de custume, e depois começou a se prorrogar. Ficava durante uma hora, duas... durante a aula inteira!
Mas nenhuma mulher aparecia ali para telefonar...

Em um ataque de loucura, Diego quase arranca o telefone para fora da parede, e era o que ia fazer, até que descobre um único nome carinhosamente anotado canto do telefone.
"Flávia... 9966-3526"
Só poderia ser ela, ela era a única que usava o telefone! Ahh... era a mulher do terceiro ano!
Diego desesperadamente tenta ligar para o número várias vezes, mas nada. Nada funcionava.

Só lhe restava ir bufando até a diretora para reclamar!

-Diretora, aquele telefone perto do bebedouro parece estar estragado! Preciso urgentemente fazer uma ligação e ele não funciona, é um absurdo!
-Claro que está estragado, garoto. Está estragado há 5 anos!

Os dias de Diego haviam se passado.

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