Dos Santos

terça-feira, junho 23

-Prazer, meu nome é Robson Dos Santos.

-Prazer, Paola Lorenzetti

Não acredito. Não acredito que ela olhou para mim. Não acredito que esses olhos azuis sejam reais. Não acredito nesse sorriso, não acredito que seja para mim. Não acredito que tive coragem de falar meu nome. Não acredito que tive coragem de falar meu nome verdadeiro!
O que ela deve ter achado de mim?
Será que ela está brincando comigo? Será que esse é mesmo o nome dela? Será que...

-Algum problema, rapaz?
-Não não, é que...
-Então, Paola Lorenzetti, prazer.

Idiota. Uma linda garota como essa me dando bola e eu aqui, duvidando do seu nome de chuveiro...

-Chuveiro!
-Hã?
-Chuveiro... Lorenzetti! Seu pai é o dono da fábrica, é?

Chuveiro? Como fui pensar nisso? Como eu consegui falar que ela tem nome de chuveiro? Como consegui perguntar se o pai dela é o dono dos chuveiros Lorenzetti?
Olha só a cara dela agora! Não é das melhores... não mesmo. Parece que vai soltar um vapor quente, igual ao chuveiro lá de casa. Não... olha a cara dela. É claro que ela nem sabe o que é um chuveiro Lorenzetti. Uma garota desse nível nunca conheceria um chuveiro "Lorenzetti", igual aquele que tenho lá em casa... Aposto que ela tem um chuveiro de uma marca muito melhor.

-Hahahha. Chuveiro?
-Desculpe, é que...
-Não precisa se desculpar, todos meus amigos me perguntam isso. O problema é ser reconhecida toda vez que digo meu sobrenome, as vezes enche, mas... E sim, o meu pai é o dono da fábrica de chuveiros!

Fantástico.
Quem foi rei nunca perde a majestade. Eu, que sempre consegui qualquer garota do bairro, agora estava alcançando novos ares. Mulher é mesmo tudo igual. Sejam as Lorenzettis, as Rayannes ou as Joyces do bairro, é tudo igual.
E quem diria, ein? Eu, com aqueles R$14,90 acabei comprando um chuveiro de rico, da mesma marca usada pelos amigos ricos dela.

-E você, Sr. Dos Santos? De onde herdou esse sobrenome?
-Ah, também herdei o sobrenome do meu pai. Ele era jogador de futebol.

Excelente.
Apesar de ainda continuar falando a verdade, estou me dando muito bem. Talvez eu não seja tão pé rapado quanto imagino.

-O Dos Santos? Jogador do Nacional? Que legal...
-É, é sim... Jogou muita bola o meu pai.
-Eu sei. Mas deve ter sido uma dureza...
-É. Claro que o futebol daquela época era bem diferente, mas o meu pai sabia o que fazer com uma bola nos pés.
-Claro. Mas quis dizer que sua família deve ter passado muitas dificuldaes financeiras. O salário de jogador nos anos 70 não era muito bom.

Merda.
Como ela sabe de tanta coisa? Aliás, uma patricinha como ela, nunca deveria saber nada sobre futebol. Muito menos sobre o salário do meu pai. Será que ela...

-Robson? Tudo bem com você?
-Hã? Ah, sim. É que...
-É que as vezes você fica no mundo da lua! Hahahaha
-Coisa de publicitário.
-Hah, você faz publicidade?
-Sim, sim! Achei que já tivesse te falado sobre isso.
-Não! Mas isso é lindo! Eu também faço publicidade... Mas confesso uma coisa, nunca te vi na faculdade! E olha que já estou no sexto período!

Merda, merda, merda.
Estava indo tão bem. Por que fui inventar de mentir logo agora? Não acredito.
Não acredito que fui xavecar logo uma Lorenzetti. Não acredito que uma garota possa entender de futebol dos anos 70. Não acredito que tentei enganar uma publicitária. Não acredito naquele sorriso, naqueles olhos... Não acredito que ela ainda conversa comigo!

-Paola, diga logo: o que você quer de mim?

-Tá bom. Sei como é difícil enganar quem faz publicidade. Mais cedo ou mais tarde, descobrimos tudo. Por falar em mais tarde, estarei livre hoje a noite. Que tal sexo sem compromisso? Te espero na faculdade.

domingo, junho 21

Seu altar, ainda te maldiz
Sua mentira, ainda condiz

Meu olhar, ainda te socorre
Meu whisky, ainda te escorre

Nosso amor, ainda existe
Nossa lembrança, ainda emite

Seu colo, ainda me aguarda
Sua boca, ainda amarga

Minha arma, ainda fala
Minha poesia, ainda falha

-

Ainda que te suceda,
Ainda que te entardeça,
Ainda que te veja,

Ainda te amarei.

Um Funcionário Público, Parte 2

terça-feira, março 31

Missão dada é missão cumprida.
Com a sugestão do bundosíssimo Sr. Sálmeron, aceitei a tarefa de escrever a segunda parte de "Um Funcionário Público", que pode ser conferido na íntegra no seguinte link: http://bloganomalo.blogspot.com/2009/03/um-funcionario-publico.html

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O conceito de "ajeitar" é mesmo ajeitável. E a fascinação por ajeitar as coisas me fez tentar medicina durante aquela fase de minha vida que eu não me importava de não viver.
E olhem, depois de tantos anos, até ajeitei um jeito de voltar a ser o jovem adolescente desajeitado e cheio de espinhas que sonhava em ser médico.

Dessa(s) vez(es) eu iria passar.

(...)

Mais uma véspera de vestibular para medicina havia chegado. Senti-me diferente dessa vez. Parecia que eu havia mudado de time. Não estava no banco de reserva, como a maior parte da minha vida, mas agora eu tinha a morte como aliada, diferentemente dos possíveis futuros companheiros de profissão.

Vestibular, vestibular, vestibular. Situação que todos médicos deveriam vencer com facilidade.

Mas confesso, mesmo com tantos fracassos, eu sabia que um dia meu dia chegaria. Sempre encarei o vestibular como a morte, na hora certa, ele chegaria.

Morte, morte, morte. Situação que todos os médicos deveriam estar preparados para enfrentar. Talvez minha frieza e maturidade para lidar com a situação fizessem de mim um grande médico. Talvez um ícone, um guru, um mestre da medicina mundial.
Modéstia a parte, consegui superar com facilidade o falecimento de minha mulher e meus dois filhos. Eu percebia que faltava certa afinidade da medicina com a morte e precisava fazer algo para colocar tudo na ordem natural da vida.

A morte sempre fora tratada como inimiga da medicina, um mal a ser combatido e evitado. A morte certamente é inevitável, mas sempre chega apenas para os que a merecem.
Olhem para mim! Hoje sou feliz, sem mulher e sem dois filhos. Graças à morte.

Como homem, eu precisava lutar pela morte e garantir que meu agradecimento seria completo.

(...)

Final de dezembro.
Mais um resultado do vestibular de medicina era divulgado.

E aquela sensação de diferença parecia ter me enganado. Ou talvez fora outro sinal divino.

120° excedente.

Nada mal, se comparado às últimas tentativas, mas ainda não era o suficiente.

Mas não existe nada nesse Universo que seja obstáculo para a gloriosa morte.
A morte, ou 119 dela, colocaria tudo no seu devido lugar.

(...)

Sete anos depois, chegava a hora de agradecer pelas graças recebidas.

Após passar naquele concurso público com 0,2 candidato por vaga, finalmente eu poderia trabalhar como médico do Sistema Único de Saúde.

Embora tenha voltado a ser um funcionário público, eu sentia que minha honra estava sendo dignificada a cada dia.

O governo e meus companheiros de trabalho já não se importavam tanto em combater a morte. Não sei se cheguei a exercer tanta influência, mas com passar dos anos, percebi que a morte se tornava cada vez mais aceitavél.

Tudo perfeito.
Agora poderia deitar em minha cama todas as noites às 23h15 e adormecer com a consciência de ter o dever cumprido.

A Semana de Morte de Evandro Augusto

segunda-feira, março 30

Eu sabia que os jovens de quinze anos de hoje não são fãs de leitura, embora soubesse que minha filha era uma leitora assídua de toda revista "teen".
E lembrava da época que tinha a idade dela, quando lia um livro por semana e daquela conversa inesquecível com minha mãe, quando descobri que Ricardo Reis, na verdade, não era Ricardo Reis.

Eu não sabia o que minha filha andava assistindo na TV, mas ela sempre assistia.
No fundo eu queria mesmo que tudo fosse assim, e que ela fosse feliz por mais um tempo.
Eu sabia que isso poderia atrasar a formação de seu caráter, mas eram tempos de vacas magras e eu precisava trabalhar. A tv fazia bem o papel de mãe provisória.

Além do mais, na tv de hoje até se passa uns programas educativos sobre sexualidade, assim ela certamente não engravidaria tão cedo.

Mas era só uma questão de tempo, uma questão de férias, e chegaria aquele dia que eu sempre soube que chegaria: o dia de uma conversa-de-mãe-para-filha.

(...)
Mãe, liga a tv no canal 9, liga no 9! Liga! Liga! Liga!

'O ator Evandro Augusto, que interpreta o papel do mocinho Alexandre na atual novela das oito, foi internado hoje em uma clínica de reabilitação para viciados em cocaína. Evandro Augusto ficará afastado do elenco da novela por tempo indeterminado. Seu estado de saúde é grave. A família não quis se pronunciar sobre o assunto.'

Os dias da tv como mãe provisória estavam contados.
Pelo andar da carroagem, minhas férias viriam antes do previsto, e o amanhã seria um dia de festa no escritório. Mal conseguia esperar pelo momento de ir para cama e acabar meu livro.

Parecia que finalmente a ficha do editor-chefe tinha caído, e ele teria arranjado mais um de seus métodos malucos para interferir no andamento crônico e cósmico do Universo.

Já não aguentava mais revisar meu livro e criar capas diferentes toda semana. Como eu diria, a biografia póstuma de Evandro Augusto já estava 'pronta' há muito tempo.
Só faltava o último capítulo, do qual todo mundo sabia o final, mas eu não poderia alcançar o clímax sem umas devidas preliminares.

Aliás, ninguém mais aguentava Evandro Augusto.
O pessoal do longa-metragem (o qual era baseado no meu livro) já estava pensando em convidar o futuro Evandro Augusto Jr. (Que ridículo! Como se alguma mãe tivesse tanta coragem para castigar o próprio filho) para interpretar o pai no cinema.
A galera do documentário já estava morrendo de medo do começo da nova temporada do campeonato de futebol. Apesar de todo esforço, não seria fácil conseguir uma horinha livre nas quartas a noite. Mais algumas semanas de resistência persistente de Evandro Augusto e teriam que se contentar com um horário no domingo a tarde.

A semana da vitória estava chegando.
Anos e anos de trabalho seriam finalmente recompensados, e cada companheiro poderia sentir o gosto da glória nas páginas e tomadas da digníssima mídia nacional.

Evandro Augusto entraria na eternidade semanal das memórias do povo.

E Clarisse Magalhães, autora da Biografia Póstuma de Evandro Augusto, teria tempo e dinheiro suficiente para educar sua filha longe de televisões.

(...)

Filha, eu sempre soube que esse dia chegaria.
-Como assim? Esse é o pior dia da minha vida! Você não viu a tv? Evandro Augusto... em uma clínica de reabilitação para viciados em cocaína!
Filha, não se desespere... Sei como são essas coisas, ainda me lembro de quando descobri a verdade sobre Ricardo Reis...
-Ricardo Reis? Quer dizer que não sou filha do Ângelo Nogueira?
Claro que é filha! Não seja tola, até parece que não conhece Ricardo Reis.
-E você até parece que não conhece Evandro Augusto!
Hahaha! Você está insinuando que Clarisse Magalhães não conhece Evandro Augusto?
-Isso que você ouviu!
Ah filha... então diga para sua pobre e desinformada mãe: Quem é Evandro Augusto?
-O futuro pai de Evandro Augusto Jr.! Este presente de Deus que carrego em minha barriga e tornará a memória de Evandro Augusto imortal, independentemente do que aconteça!

Hoje foi as 3

domingo, março 22

-Hoje foi as 3, cara. Nossa, nem dá pra acreditar... Achei que esse dia nunca chegaria, mas como meu pai me diria, é preciso estar sempre pronto para essas horas decisivas na vida de um homem.

Cretino.

Sei que tinha prometido pra ele e para mim mesma que nunca mais ficaria na escuta do telefone, mas essa seria a última vez. Última vez mesmo, porque terminaria tudo com esse canalha.
É, eu poderia aproveitar essa situação para terminar tudo de uma vez. Mas aí me lembro que foi esse mesmo o motivo da nossa primeira briga (e o da segunda foi a minha curiosidade ao telefone).
O desgraçado nunca acerta o uso de "foi e foram". E não conseguir acertar até hoje seria um bom motivo para outra briga, mas essa seria pra valer. Ou será que ele se arrependeu e finalmente aprendeu a usar os fois e os forams? Ah! Outro motivo para terminar pra valer! E dessa vez não teria nada de "amor, não é nada disso que você está pensando..."
Seria mesmo o que eu tava pensando, ele chegou mais cedo no escritório para pegar aquelas 3 secretárias vadias.

(...)

Parece destino.

Às 14 h de hoje eu estava com uma sensação estranha. Ter sensações estranhas nessa altura do campeonato não me dava nenhum entusiasmo. Ou seria preocupações com dívidas ou com as briguinhas de casal recém-casado que não se aguentava mais depois de 2 meses. Até trabalhar em pleno sábado seria melhor.

O sol parecia irresistível visto daquela mesa do escritório. Perfeito para as peladas de sábado no clube, que estavam sendo adiadas a vários sábados por causa da chuva. Mas sábados de chuva me deram o custume de esquecer a chuteira em casa, e voltar pra pegá-las sem ser visto por minha mulher não seria uma tarefa fácil. Era melhor aguentar a marcação cerrada do chefe.

-Artur, pegue sua maleta e vá até a minha sala às 3h. Teremos uma reunião.

Maldita sensação. Até os sábados de chuva e briguinhas de casal eram melhor do que reunião de empregados mal-remunerados.

O escritório que já era parado nos sábados parou por alguns segundos e ficou olhando para mim.

E o Freitas, o maldito Freitas sempre resolvia perguntar alguma coisa para se fazer de interessado para o chefe.

-Chefe, mas a reunião de sábado às 3h não era apenas para o presidente e vice-presidente?

-Justamente, Freitas. Justamente.

Agora eu poderia demitir o Freitas da empresa e minha esposa de casa, além de contratar secretárias mais bonitas.
Eu deveria mesmo ter seguido as recomendações do meu irmão e não ter aceitado a maldita divisão total de bens, mas eu considerava maluco, por ser a única pessoa no mundo que acreditava na minha ascensão profissional. Quem me dera uma demissão dessa profissão de marido por justa causa...

Aliás, preciso ligar para o maluco do meu irmão e falar sobre o dia de hoje.


-Artur.
-Diga, amor.
-Amor??? Seu cínico! Descarado! Crápula! Esdrúxulo! Vagab... NÃO TEM MAIS JEITO, ESTÁ TUDO TERMINADO ENTRE NÓS!
-Seja feita a Vossa Vontade, amém.

Pernilongo, bicho estranho.

Pernilongo, bicho estranho.
Já são quatro. Quatro marcas de pernilongo no meu rosto. Quanto tempo faz? Uns quatro dias? Talvez. Não lembro.
Há quanto tempo veio a primeira marca? Será que vieram duas ou três de uma vez só? Mas agora são quatro, aí eu percebi.
E são quatro marcas muito próximas. Vai entender. Será que significa que apenas um pernilongo me deixou quatro marcas? Um só? Ou quem sabe dois, três, quatro... E por que tão próximas?
Tenho um rosto tão grande, uma cabeça tão grande. Por que tão próximas? E ainda poderiam se aventurar pelo resto do meu corpo, esse não é muito grande, eu sei, mas poderiam. Agora tenho mesmo que aceitar as quatro marcas no meu rosto?

Pernilongo, bicho estranho.
Vai entender.
Mas deve ser muito chato entender sobre pernilongos. Não me interessa nenhum pouco. E será que eles entendem algo sobre mim?
Será que sabem como me intrigar? Será que me deixaram quatro marcas porque me odeiam ou por que me amam? Por que me deixaram quatro marcas? Será que se interessaram por mim quando eu não tinha marcas? Ou se interessam mais agora, que tenho quatro? Tomara que não, pois aí viriam a quinta, a sexta, a sétima e infinitas marcas.

Ou tomara que sim? Será que transmitem alguma doença? Ou quatro? Será que estou doente? Será que eles estão doentes e isso explica as quatro marcas tão próximas? Será que posso descobrir alguma doença? Será que existe pernilongofobia? Será que isso é coisa de horário, da estação climática, fase da lua, ou vegetação da região? Ou será tudo isso só uma piração minha?

Homem, bicho estranho.

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Texto escrito em 17/02/09.
P.S.: Ainda tenho uma marca do(s) tal(is) pernilongo(s)(?) no rosto.

Parada do Orgulho Vegetariano - Parte 2

sábado, março 14

-Irmão, onde vai com essa chave? Pra quê tanto ódio no seu coração? Junte-se a nós e venha lutar contra o verdadeiro inimigo: a carne.
-A carne? Pô! Achei que o Nacional iria jogar contra o Juventus! Aqueles verdinhos teriam a vingança que merecem...
-Isso irmão! Também acredito que a força está na juventude deste país.
-Ô seu doidão, olha aqui. Acho que tá acontecendo algum engano. Eu só vim aqui pra assistir o jogo do Nacional. Vocês poderiam sair da frente ou tô pedindo muito?
-Isso irmão! Ali na frente! O bandeirão verde está vindo!

E lá estava Fábio embaixo do bandeirão verde, e uma equipe de TV transmitindo-o ao vivo para todo país.

E a mulher pê da vida por causa de mais uma interrupção no programa de culinária, deixou os ovos, a pitadinha de sal e as 2 colheres de sopa de farinha de trigo caírem ao chão por conta de tanta emoção.

-Nossa, não é que o Fábio está mesmo na Parada do Orgulho Vegetariano? E eu achando que ele estava mentindo pra mim... Como eu sou boba!

-Ô cambada de maluco! Digo, digo... Deve estar acontecendo algum engano, eu só queria estar vendo o Nacional jogar agora.
-Isso irmão, vamos nos jogar! Se jogue contra esse sistema capitalista egoísta e especista e lute por uma sociedade igualitária!

Fábio estava perdido.
Estava tão perdido debaixo daquele bandeirão verde quanto estava perdido nas aulas de biologia do 1o ano. Fábio achava que possuir conhecimentos sobre o tipo de reprodução dos vegetarianos nunca lhe traria alguma utilidade; ledo engano.

Fábio tinha suas meia dúzias de prevenções em relação a contato físico com seres do sexo masculino, mas ali, sozinho no meio daquela multidão, ele decidiu se render e aceitar a idéia de que encostar em outros homens não seria sinal de doença incurável altamente contagiosa pré-mortal adquirida. Ledo engano, Fábio!

Deveria mesmo ter estudado mais biologia, ou ter assistido aqueles documentários sobre o comportamento exótico sobre faunas exóticas no canal da TV a cabo.

Os vegetarianos estavam ali, com estratégias maquiavélicas debaixo de suas máscaras, prontos para a dominação mundial e dispostos a se reproduzir com o primeiro que encontrassem pela frente.

Fábio estava cercado por aquela espécie, e só conseguia se lembrar de que se estivesse no inferno, deveria abraçar o capeta.

Fábio estava completamente contagiado pelo espírito verde do amor e da fraternidade, e decidiu abraçar cada vegetariano da Parada durante as 4 horas que ficou ali gritando e balançando bandeiras em nome do equilíbrio espiritual das espécies.

E desde então não se lembra mais de nada.

Mas todos os dias estuda sobre cissiparidade para tentar explicar para sua mulher como apareceram tantos Fábios pela cidade.

O Dia de Diego

quarta-feira, março 11

No alto do segundo andar, lá no fundo do bloco da esquerda ficavam as salas do primeiro ano.
No canto esquerdo de uma das salas, bem junto à parede, ficava Diego, o garoto raquítico e sabe-tudo da classe.
Diego ficava sentado ali durante (quase) a aula inteira. Não que precisasse aprender algo naquela escola, ele simplesmente ficava esperando seu amor passar.

A garota do terceiro ano! Tão loira, tão formosa, tão mal-famosa, tão gostosa.
Mas com tantos adjetivos assim, não poderia ser uma garota. A loira do terceiro ano era uma mulher.(E que mulher!)
Religiosamente, todos os dias, faça matemática ou faça português, a mulher saía de sua classe a cada um horário e meio.
Atento a isso desde a primeira vista ao seu amor, Diego sabia que a temporada de caça estava aberta.
Temporadas de caças fazem parte do Verão, e como se tem sede no Verão! E Diego estranhamente tinha sede a cada um horário e meio. Uma sede estranha, que não poderia ser cessada no bebedouro do segundo andar. Precisava ser aquele lá do primeiro andar, aquele bem antigo, que saía apenas algumas gotas de água quente quando estava de bom humor. Mas era aquele o melhor de todos, porque era o bebedouro ao lado do telefone público.

E como era quente aquele telefone público nas mãos, ouvidos e lábios carnudos da mulher do terceiro ano. E o coitado nunca conseguia tempo para se esfriar, logo logo passaria mais um horário e meio e a mulher voltaria.

"Rodrigo, Bruno, Raul, Michael, Fabiano, Francisco, Alexandre, Sr. Otávio, Irênio, Vandercleysson, Karl, Mohamed, Di... ogo"

Tantos homens, nenhum Diego.

Após 3, 4 ou 5 minutos, a mulher desligava o telefone e sempre partia em direção ao banheiro, onde ficava por mais 2 minutos até fazer questão de soltar um estridente grito que Diego definia como uma manifestação de arte e satisfação.
Após o grito, a mulher saía tranquilamente pela porta da frente como se nada tivesse acontecido, e com uma cara de quem está pronta para o próximo um horário e meio. E Diego rapidamente se escondia -não poderia deixar pistas sobre sua leve queda por ela- e voltava em direção a escadaria que levava às salas de primeiro ano.
"Quando chegará meu dia?" Diego sempre se perguntava. Aliás, Diego tinha muito a se perguntar durante os 3,4 ou 5 minutos que ficava ali a cada um horário e meio.


"Meu Deus! O que essa mulher faz da vida? Será que trabalha para alguma empresa de sexo por telefone? Será que passa trotes? Será que é telefonista de algum tipo de telemarketing sexual? Ninfomaníaca?
Não sei. Só sei que é a mulher perfeita. Terceiro ano, loira, pré-universitária, lábios macios, sorriso provocante, seios simétricos, que MULHER!
Até o fim do ano eu descubro o que ela faz da vida, e aí vai ser só alegria. Até o fim do ano eu pego ela! Oh se pego! O meu dia vai chegar."

E vieram as águas de Março fechando o verão, e no mesmo ritmo passaram-se as águas de abril, maio, junho... novembro, dezembro -pausa para acabar o ano- janeiro, fevereiro...

Talvez Diego tenha perdido todo seu primeiro ano mergulhado nas suas várias idas ao bebedouro e pensamentos mirabolantes, e com isso tenha se esquecido de coisas fundamentais, como perguntar o nome da garota e de que o terceiro ano é o último ano de escola.

Nos primeiros dias de aula do segundo ano, Diego era um desespero só. Ficava ali primeiramente no horário como de custume, e depois começou a se prorrogar. Ficava durante uma hora, duas... durante a aula inteira!
Mas nenhuma mulher aparecia ali para telefonar...

Em um ataque de loucura, Diego quase arranca o telefone para fora da parede, e era o que ia fazer, até que descobre um único nome carinhosamente anotado canto do telefone.
"Flávia... 9966-3526"
Só poderia ser ela, ela era a única que usava o telefone! Ahh... era a mulher do terceiro ano!
Diego desesperadamente tenta ligar para o número várias vezes, mas nada. Nada funcionava.

Só lhe restava ir bufando até a diretora para reclamar!

-Diretora, aquele telefone perto do bebedouro parece estar estragado! Preciso urgentemente fazer uma ligação e ele não funciona, é um absurdo!
-Claro que está estragado, garoto. Está estragado há 5 anos!

Os dias de Diego haviam se passado.