Um a menos

sábado, agosto 2

Rogério gozava de boa saúde -os renomados médicos não diriam isso, mas seus vizinhos diriam que sim-, acabava de se formar no ensino médio, segundo ele tinha um bom trampo, e ganhava quase um salário mínimo. Ajudava seus pais financeiramente, pagava metade do aluguel, o gás, a água e suas próprias prestações: todo mês sem falta uma das 32 parcelas de sua moto Yamaha ano 92, e o fogão novo que deu para sua mãe em junho. Jogava futebol com seus amigos nos fins de semana -duas vezes por mês- e nos outros dois que sobravam, sempre ia para alguma festa para tentar arranjar uma boa nora para sua mãe, mas no fundo ele mesmo sabia que sua busca não tinha sentido, já que as garotas de lá eram todas iguais. Rogério não se importava com isso, por que era como seus amigos, era como todo mundo.
Rogério era feliz.

Até que chegou o dia que Rogério se tornou adulto, fez 18 anos. Era só alegria, agora poderia andar com sua moto por toda cidade, sem medo da polícia, e encher os olhos de seu pai de lágrimas, agora que seu primogênito era um homem. Realmente, um dia muito importante para seu pai, que não aguentava mais esperar para continuar com a tradição de sua família.

-Filho, senta aqui. Agora vamos ter uma conversa de homem pra homem. -disse o pai com tom imperativo apontando para uma velha cadeira e dando um forte tapa nas suas costas.
-Olha, agora você é um homem. Daqui pra frente não pode cometer os mesmos erros de seu velho pai. Agora você precisa criar tipo de gente, tem que estudar muito, passar no vestibular e entrar numa boa faculdade pra depois ganhar muito dinheiro.
Se continuar nessa vida sua aí ganhando menos que um salário, sem ambições e sem objetivos, acabará oferecendo para seus filhos a mesma vida de merda que eu te dei. Seus filhos não terão cultura, não terão nada do bom e do melhor, não terão roupas bonitas nem mesada para se divertirem. Ah, e também não terão educação. Por mais que recebam carinho, seu tempo não será o suficiente, terá que trabalhar como servente de pedreiro como eu, para pagar suas cervejas, ração barata para seus cães e leite tipo C para seus filhos. E aí seus cachorros morrerão de fome, com vermes e sem pêlos iguais ao Geraldo -antigo vira-lata de Rogério-, não aguentará mais ver a cara de derrotado dos seus filhos todo fim de dia e terá a cerveja como única amiga.

"Meu filho, é hora de sair pro mundo!"

Rogério pegou sua Yamaha 92, foi ao posto mais próximo e colocou todas suas economias em gasolina.
Rogério saiu sem rumo, correu como nunca, sua vida nunca foi tão eletrizante. Mas Rogério conhecia sua moto tão pouco quanto sua vida e a estrada que seguia.

Rogério saiu pro mundo.
Rogério saiu do mundo.
Foi em qualquer curva por aí. Sua cidade, apesar de pequena, era rota de muitas cargas e emoções, poucas Yamahas 92 e muitos caminhões.

E no velório, não se falava de outra coisa: De quem era a culpa? Poderia ser de todos, menos de Rogério.
A mãe, a ponto de explodir com uma cor vermelha, era só ódio. Ficava lembrando ao pai que ela passou o ano inteiro avisando a ele: "Rogério é muito jovem para descobrir que é triste!"
E o pai continuava como sempre foi, nunca dando ouvidos a sua mulher.
E não conseguia entender por que tudo terminava assim.
Sua fala alta se contrastava com o choro de quem estava por ali, e ele querendo tirar o seu da reta, não cansava de falar para cada um: "Eu não entendo, eu fiz exatamente como meu pai fez comigo quando eu tinha a mesma idade de Rogério, e nem por isso morri. É claro que era a hora certa. A culpa não é minha, e no meu tempo não tinha motos... É, é isso! A culpa é das motos. A CULPA É DAS MOTOS!"